Texto de Pyr Marcondes, Senior Partner da Pipeline Capital Tech.
“Token projects have to eat that sh*t every day’: Crypto VCs face a harsh reality in the bear market”.
Acima, a manchete de uma importante publicação de economia global, que por respeito ético de estar aqui escrevendo na Exame, não vou revelar qual é. Mas é grande, tradicional e respeitosa, com indiscutível contribuição ao jornalismo econômico global.
Mas esse tipo de manchete escandalosa e que se atem ao momento como se fosse uma obra de arte de alto valor me incomoda demais. Como jornalista, como empresário e como investidor.
Separei essa em meio a vááárias outras manchetes que, nos últimos meses, após os escândalos dos fundos como FTX e os processos em andamento de investigação contra Binance e Coinbase, duas das mais relevantes operações da criptosfera, induzem seus leitores e sua audiência a entender que o mundo cripto vai desabar e não tem o menor futuro pela frente.
Francamente, dá desgosto.
Fui colunista durante dois anos do Jornal Valor Econômico no início dos anos 2000, quando explodiu a “bolha das pontocom”, como se chamou na época (1999/2000) a quebra de ações nas bolsas das empresas de internet, em grande expansão após sua incepção, no ano de 1995.
Pois bem. Não me cansei de escrever artigo atrás de artigo chamando a atenção de que aquele era um momento de acomodação de um setor em fase de criação e que aquilo não seria, de forma alguma, o fim da internet, que era o que eu lia nas manchetes nacionais e internacionais do período. Acreditem, era isso que se dizia… que aquelas quebras todas seriam claro sintoma de que a internet não viria para ficar.
Hoje, sabemos quanto de estupidez havia nessas previsões dos analistas, economistas e jornalistas da época.
Aquelas manchetes de então me lembram muito as manchetes de cripto de agora.
Por favor, quem por acaso, e na falta de algo melhor a fazer do que estar me lendo neste momento, … não acredite nessa história.
Na época da crise das bolsas no final dos anos 1990, o quadro precedente era de um mercado altamente líquido e algo irresponsável, macro valorizando ativos que nem receita tinham, apenas porque eram “internet”.
Algo parecido aconteceu nos últimos anos com as empresas e startups tech. Hipervalorizadas. Lá como agora, estamos enfrentando a ressaca de uma bonança falsa.
Lá como agora, estávamos diante de um momento que seria um salto quântico em nossas vidas, incluindo aí a economia e as finanças.
Hoje o quadro é o seguinte: todas as economias e todo o mundo financeiro serão digitalizados como nunca antes na história. Cripto é um dos capítulos dessa transformação estrutural e histórica.
O mundo financeiro será disrompido integralmente, de ponta a ponta. E será integralmente descentralizado. Ou seja, dinheiro programável, rastreável e automatizado sobre plataformas de Blockchain.
Essa é a estrutura básica do que se chama de DeFi, Descentralized Finance, ou mercado financeiro descentralizado.
Nesse novo ambiente, bancos centrais não atuam como gate keepers do mercado financeiro e as transações são garantidas pela própria tecnologia.
O DeFi tem crescido. Só de outubro a novembro de 2022 um aumento de 68%, com volume de US$ 97B.
Como nos lembra estudo da Delloite sobre o mercado de ativos criptográficos: “Quando falamos em criptoativos, a primeira ideia que vem à mente é a bitcoin, seguido de outras moedas token. Mas o termo “ativo criptográfico” abrange muito mais do que apenas pagamento criptográfico”.
Cripto é um token e a economia inteira será tokenizável.
Robson Harada, CMO do Mercado Bitcoin, que certamente entende muito mais disso tudo do que eu, a meu pedido, mandou-me o seguinte texto: “O mercado cripto está enfrentando obstáculos mais desafiadores neste ciclo, quando comparado aos ciclos passados de baixa (bear market). Isso é esperado, uma vez que a agenda está mais desenvolvida, movimenta capital relevante e o mais importante, tem alto potencial de evoluir e disruptar todo um sistema financeiro tradicional. É natural que a sequência de adventos até a FTX diminua a confiança e apetite com as partes prejudicadas. Neste momento, temos uma polaridade entre uma agenda regressiva dos Estados Unidos versus uma agenda progressiva da Europa e países relevantes como o Brasil. Acredito que o bloco progressista vai empurrar e pressionar seus pares a atuarem em prol do segmento cripto. Os benefícios que a tecnologia blockchain pode viabilizar, otimizando cadeias em diferentes verticais, é um caminho sem volta e uma evolução necessária”.
Caminho sem volta é a expressão que eu destacaria aqui.
Há uma estrutural questão de regulação em tudo isso, ainda em andamento. Trata-se de um mercado não regulado e todo esse cenário que observamos é parte de sua consolidação, e não o contrário. É o homem descobrindo o fogo e se queimando com ele aqui e ali na pré-história. Vivemos a pré-história das DeFis. Cripto idem.
Já que citei a Deloitte, lá vai outro quote da consultoria: “”O token de segurança é a segurança financeira do futuro”.
Como a tecnologia blockchain emergiu do campo da ciência de dados, muitos dos termos usados em criptomoedas e tokens são semelhantes aos usados no mundo tech. O termo “token” é um deles. Um token, em ciência de dados, é um valor – como um número gerado aleatoriamente – atribuído a dados confidenciais para proteger as informações originais. Portanto, em um blockchain, um token é um número atribuído aos dados armazenados na cadeia. Dar um token a um ativo é chamado de “tokenização”.
Como um ativo de investimento, um token de segurança é um ativo digital que representa propriedade ou outros direitos e transfere valor de um ativo ou pacote de ativos para um token. Em linguagem simples, os tokens de segurança são a forma digital de investimentos tradicionais, como ações, títulos ou outros ativos securitizados.
Cripto é um token de segurança.
Os tokens tem ainda um grande caminho pela frente para poderem ser considerados mainstream, mas uma série de países e bancos centrais estão hoje, com alguma celeridade, criando regulação para eles (caso do Brasil).
Texto de Pyr Marcondes, Senior Partner da Pipeline Capital Tech. Originalmente publicado na Exame.